Henrique Luz*
Francisco Sant’Anna**
Longe das quatro linhas dos gramados, dos jogadores, dos
técnicos e da torcida, o esporte mais apreciado pelos brasileiros vive a
expectativa de significativas mudanças. A arena inicial dessas transformações
foi a Câmara Federal, com a aprovação de substitutivo aos projetos de lei
5.082/2016 e 2.758/2019, que faculta aos clubes de futebol a possibilidade de
se tornarem empresas. A próxima partida decisiva acontecerá no campo do Senado,
que poderá decidir o jogo em caráter definitivo, se não fizer alterações que
exijam uma prorrogação para nova apreciação dos deputados.
Os clubes poderão constituir empresa conforme os tipos
previstos no Código Civil (Lei nº 10.406/2002). Os modelos mais recorrentes são
a sociedade anônima e a sociedade limitada. Em ambos os casos, estarão
submetidos aos regimes estabelecidos pela Lei das S/A (nº 6.404/1976) e Lei
Pelé (nº 9.615/1998). Cabe lembrar que as sociedades limitadas, embora não
emitam ações, podem ser regidas de maneira subsidiária pela Lei das S/A,
conforme deliberação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A sociedade anônima parece ser a alternativa mais
interessante para os clubes, pois lhes permitiria fazer IPO (Initial Public
Offering/Oferta Pública Inicial), ingressando na Bolsa de Valores e captando
recursos no mercado mobiliário, sem ampliar seu endividamento, que já soma R$
6,9 bilhões, somente entre os 20 integrantes da Série A do Brasileirão, sendo
35% referentes a débitos fiscais. As agremiações passariam a ter acionistas e
deixariam de depender apenas de patrocinadores, cotas da televisão, bilheteria,
vendas de produtos licenciados e receita dos programas de sócio-torcedor. As
agremiações que preferirem a sociedade limitada poderão ter investidores e até
mesmo sócios não ligados ao futebol, com boas possibilidades de captar recursos
sem endividamento.
O substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados também
facilita o pagamento dos débitos tributários e não tributários, que pode ser
feito à vista, com desconto de 95% nas multas, 65% nos juros e 100% dos encargos
legais; ou em até 12 parcelas. Neste caso, os abatimentos serão,
respectivamente, de 90%, 60% e 100%. Ou seja, os clubes-empresa, que também
poderão usufruir de regime tributário especial, denominado Simples-Fut, terão
um alívio no fluxo de caixa. Assim, poderão reorganizar orçamentos e iniciar
uma nova filosofia de gestão. Porém, se não fizerem tal lição de casa, em pouco
tempo estarão novamente em dificuldades.
Ademais, os clubes-empresa estarão sujeitos a controles e
sanções mais rígidas do que tiveram até hoje como entidades sem fins
lucrativos. No caso das S/A, terão de seguir as normas estabelecidas pela
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ter estatutos, realizar assembleias de
prestação de contas aos associados e adotar todos os procedimentos de
companhias que emitem ações. São, convenhamos, desafios gigantescos para os
clubes como agora os conhecemos, assim como o serão para a própria CVM. Outro
tema que traria, certamente, questões a serem debatidas é a relação entre o
clube-empresa e investidores minoritários, tendo ou não acordo de acionistas.
Enfim, há grandes desafios que precisariam ser debatidos previamente. No
tocante às sociedades limitadas, terão de seguir o previsto no Código Civil e
as obrigações inerentes a quaisquer empresas.
Nos dois modelos de sociedade, um dos fatores do PL
substitutivo que poderá contribuir muito para um choque positivo de gestão é a
determinação de que o clube-empresa conte com auditoria independente (conforme
previsto na Lei Pelé para as sociedades limitadas e na Lei das S/A). O auditor,
por meio de procedimentos técnicos, analisa se as informações apresentadas
representam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a situação
patrimonial e financeira da organização, o desempenho de suas operações e seus
fluxos de caixa.
As análises realizam-se de acordo com as práticas contábeis
adotadas no Brasil, hoje alinhadas às normas internacionais. Ajudam as
organizações na correção de rumos, no aprimoramento da gestão e na correção dos
balanços contábeis. Portanto, os critérios observados pela auditoria
independente, mais do que atender às exigências legais, devem ser entendidos
como um referencial para a transparência e a qualidade das informações
financeiras. Além disso, o procedimento ampliará a credibilidade dos
clubes-empresas, ajudando na atração de investidores e até mesmo na conquista
de patrocínios.
Também decisiva será a adoção de melhores práticas de
governança corporativa, importante para organizar a interação entre os
acionistas, os conselhos de administração e fiscal, a diretoria executiva e a
auditoria independente, no caso das S/A e dos sócios, gestores e auditores, no
que diz respeito às sociedades limitadas. Trata-se, portanto, de um fator que
contribuirá decisivamente para manter o crescimento e o equilíbrio financeiro,
melhorar a rentabilidade e responder às crescentes demandas de transparência e
compliance por parte da sociedade. É, ainda, relevante para a melhoria do
próprio ambiente de negócios na dimensão do esporte. As boas regras de conduta
também poderão ser uma boa influência para as torcidas e contribuir para tornar
o futebol mais organizado e mais crível perante a população e os poderes da
República.
As diretrizes legais, auditoria independente e a adoção de
melhores práticas de governança serão os pilares de sustentabilidade dos
clubes-as empresas, contribuindo para o fortalecimento do futebol brasileiro.
Continuaremos a ser a “Pátria de Chuteiras”, mas, quem sabe, a visão de
eficácia empresarial nos ajude a ganhar uma Copa do Mundo, alegria que não
temos desde 2002.
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